20 de fevereiro de 2010

A Arte de Presentear


" Homens e mulheres se dão presentes de maneira diferente. Não sei se isso é cultural, se é psicológico ou até biológico. É diferente. E falo tanto de dar quanto de receber. Pois se um presente brilha na mão de um homem na direção de uma mulher o corpo dela é pura emoção e se entreabe numa primavera de dedos e floração de sorrisos e beijos.

O homem, não. O homem em geral, dá a mulher a sensação de que errou o destinatário, que ele está abrindo uma caixa para outra pessoa. Ele não tem dedos ágeis, lindos, frágeis, de quem abre o cristal do afeto, a seda do carinho e os laços da paixão. Vai logo rasgando tudo, meio estabanado e, quando chega ao cerne da coisa, mal balbucia um adjetivo para, luminosa.

Homem não recebe presente. Apenas constata que ganhou, olha-o de fora. Recebe sempre como se as mulheres lhe devessem algo. Falta ao homem aquela aura que só os santos e as mulheres assumem quando recebem uma graça dada.

Receber um presente é uma arte que as vezes tem que se aprender. No meu tempo de menino em Minas, por exemplo, não se abria presente na frente dos outros. A desculpa era sempre que seria falta de educação., Ou será que era medo de mostrar a própria emoção? Carregava-se o presente para o quarto ou ia-se abrir escondido, sozinho, proibindo ao doador a cena da revelação.

Se homens e mulheres recebem presentes diferentemente também escolhem e presenteiam de modo diverso.

A mulher é capaz de passar horas procurando pelas galerias e vitrines. Ela reassume suas suas antigas virtualidades de coletora numa sociedade tribal e vai colhendo das árvores o alimento afetivo para sua família. Mas não me venham, por cauda disso, dizer que a mulher tem mais tempo e/ou foi treinada pra isso desde sempre.


Há também homens, que não foram treinados para isso, não têm tempo, mas cumprem o mesmo ritual do prazenteiro doador. São poucos, é verdade, mas nem por isso são menos homens.

A emoção, dizem os machos empedernidos e os artistas formalisatas, é coisa de mulher. Dizem isso e  perde assim metade do que de bom tem a vida, que é se emocionar.

Sobre presentes se pode muito observar.

- Há quem sai e só consiga comprar presentes pra si mesmo. Roda, roda, roda nas vitrines do seu ego, não consegue ver o outro. Assim, sai para presentear o outro e faz o outro presenteá-lo.

- Há pessoas que não se dão presente para não terem que se dar.
Nesse caso o presente é um escudo. Ambíguo escudo. Nesse caso o presente fala mudo.

- Há pessoas que dão presentes como forma de se dar.
Nesse caso o presente é tudo. Duplo mundo. O próprio corpo a desembrulhar.

Os amantes sabem disso. Entre eles os presentes sinalizam a estrada da paixão. Para eles, o presente é a véspera do corpo. A primeira achega. O progressivo afeto. Pela sua constância, valor e progresso, se sabe quando o amor aumenta ou quando está em extinção.


Assim como da mesma forma o primeiro presente é sinal de que alguém desembarcou em nossa vida, também há presentes que são o último aceno na estação, a última víscera desembrulhada na dilacerada relação.
Mas o bom é quando o presente é um transbordamento do afeto. Uma duplicação do gesto. Um preenchimento de espaços no corpo, na casa do outro.

Deste modo, presentear é resistir, ocupar (claro, em alguns casos, é invadir). Mas quando vai disseminando presentes na campina do outro corpo, o amante, mais que agricultor, é construtor, arquiteto, fundador. Está preenchendo o tempo e o espaço, está se expandindo num concreto amor.

Presentear, na verdade, é isso. É dizer: eu não vim apenas te ver, através do meu presente, eu vim permancer."

Affonso Romano de Sant' Anna
Coleção melhores crônicas

7 de fevereiro de 2010

O que faz bem pra saúde



Acho a maior graça. 
Tomate previne isso, cebola previne aquilo, chocolate faz bem, chocolate faz mal,
Um cálice diário de vinho não tem problema, qualquer gole de álcool é nocivo,tome água em abundancia, mas não exagere...
Diante de várias descobertas, acho mais seguro não mudar de hábitos.
Sei direitinho o que faz bem e que faz mal para minha saúde.
Prazer faz muito bem.
Dormir me deixa 0km.
Ler bom livro faz-me sentir novo em folha.
Viajar me deixa tenso antes de embarcar, mas depois rejuvenesço uns cinco anos.
Viagens aéreas não me incham as pernas; incham-me o cérebro, volto cheio de idéias.
Brigar me provoca arritimia cardíaca.
Ver pessoas tendo acessos de estupidez me embrulham o estômogo.
Testemunhar gente jogando lata de cerveja pela janela do carro me faz perder toda a fé no ser humano.
E telejornais... os médicos deveriam proibir _ como doem!
Caminhar faz bem, dançar faz bem, ficar em silêncio quando uma  discussão está pegando fogo, faz muito bem.
Você exercita o autocontrole e ainda acorda no outro dia sem se sentir arrependido de nada.
Acordar de manhã arrependindo do que disse ou do que fez ontem à noite é prejudicial à saúde.
E passar o resto do dia sem coragem para pedir desculpas, pior ainda!
Não pedir perdão pelas nossas mancadas, dá câncer, não há tomate ou mussarela que previna.
Ir ao cinema, conseguir um lugar central nas fileiras do fundo, não ter ninguém atrapalhando sua visão, nenhum celular tocando e o filme ser espetacular, uau!
Cinema é melhor para saúde do que pipoca.
Conversar é melhor do que piada.
Exercício é melhor que cirurgia.
Humor é melhor que rancor.
Amigos são melhores do que gente influente.
Economia é melhor do que dívida.
Perguntar é melhor do que dúvida.
Sonhar é melhor do que nada.

E amar....
Amar é melhor do que tudo.

6 de fevereiro de 2010

Receita para mal-de-amor


    "Meu amigo tem um amigo que está apaixonado. Está amando e pedindo socorro, porque ao mesmo tempo em que se sente luminosamente dono do mundo sabe-se que é o mais frágil das criaturas. Está meio desorientado. Às vezes até acha que está enfermo. O seu dia-a-dia não é mais o mesmo. Por isso, pede um remédio. Pediu-me como se pede a um farmacêutico na esquina, que lhe indicasse alguns poemas, única poção capaz de minorar seu mal-de-amor. 

   Eu teria que fazer um diagnósitco mais apurado. Encontrar-me com o paciente, fazer-lhe algumas perguntas, devido a responsabilidade da profissão. Mas nao foi possível marcar hora, tomar o pulso, a pressão, ver como anda seu abalodo coração. 

Sugeri ao amigo do amigo: seria melhor que o amante sofredor se internasse para ler os poemas de amor de Camoes, Drummond, Shakespeare, Vinícus e Neruna. Mas reconheci que nem sempre os planos de saúde garante isso. Então perguntei: "Que idade tem o paciente?" "Já um homem maduro", respondeu.

   Nesse caso é mais grave, pensei. Então leia, de Drummond, o poema "Campo de flores", que começa assim: "Deus me deu um amor no tempo da madureza quando os frutos  não são colhidos/ Deus ou talvés o Diabo deu-me este amor maduro/ e a um e a outro agradeço, pois que tenho um amor." E por aí o paciente vai sentir as antigas manhãs voltarem a sorrir para ele, que ele acha que merece mesmo esse amor? Apesar da angústia que lhe trás. E há de concordar. "Mas porque me tocou um amor crepuscular/ há que amar diferente." 

   A seguir, diz-me que seu amigo depois que se apaixonou ficou meio esquesito. Não está nem aí. Fala-se com ele uma coisa e ele responde outra. Não há visita do papa nem eleição que lhe interesse. Esclareço que isso é normal em tais casos. Camões diz: "... fico perguntando aos ventos amorosos, que respiram da parte donde estais, por vós Senhora;/ às aves que ali voam, se vos viram/ que fazíeis que estáveis praticando/ onde, como, com quem, que dia, que horas"

   E acrescento que não se desespere mais do que o necessário, porque o amor, segundo outra fórmula  da farmocopéia amorosa de Camões, "é um fogo que arde sem se ver/ é ferida que dói e não se sente/ é um acontentamento descontente/ é dor que desatina sem doer/ é um querer mais que bem querer/ é um andar solitário por entre gente,/ é um nunca contentar-se de contente,/ é um cuidar que ganha em se perder/ é querer estar preso por vontade/ é servir a quem vence, o vencedor/ é ter com quem uma lealdade/ Mas como causar pode seu favor/ nos corações humanos amizade/ se tão contrário a si o mesmo amor?"

   No caso de o apaixonado sentir que o destino lhe foi atroz, porque não permitiu que conhecesse sua amada há mais tempo, quando era jovem, então não estará só. Um poeta mineiro _pouco conhecido _ Emílio Moura tem apaziguantes pomadas para tal situação:   " Por que me roubaram tanto tempo? Por que não te conheci menina?/ Por que não te conheci quando ias para o colégio?/ Por que não te conheci no momento terrível da revelação da vida?"

   Isso de querer voltar a infancia dos sentimentos é legítimo, quanda se ama. Bandeira também considera isso em "O impossível carinho": " Escuta eu não quero contar-te o meu desejo/ Quero apenas contar-te minha ternura/ Ah se em troca de tanta felicidade que me dás/ Eu pudesse repor/ _ Eu soubesse repor_/ No coração despedaçado/ As mais puras alegrias de sua infância!"

   Nesse ponto, o amigo do amigo apaixonado me pergunta: " E você poeta, nunca amou?" Eu ponderoso, respondo que tenho lido muito a respeito. A rigor não amo melhor nem pior que  ninguém. Do meu jeito amo. Ora esquesito, ora fogoso, às vezes aflito ou ensandecido de gozo. Ja amei até com nojo. Nem sempre de mim dependem, confesso. O corpo do outro é que é sempre surpreendente.

   Mas de qualquer jeito, concluo que o amor é sempre um mistério. E o mistério começa do joelho pra cima. O mistério começa do umbigo pra baixo, e nunca termina. E terminei dizendo: "Diga ao seu amigo que aproveite e sofra de amor o mais que puder, porque como dizia um espanhol renascentista chamado Juan de Encina: ' Más vale trocar placer por dolores que vivir sin amore."


Affonso Romano de Sant' Anna