6 de fevereiro de 2010

Receita para mal-de-amor


    "Meu amigo tem um amigo que está apaixonado. Está amando e pedindo socorro, porque ao mesmo tempo em que se sente luminosamente dono do mundo sabe-se que é o mais frágil das criaturas. Está meio desorientado. Às vezes até acha que está enfermo. O seu dia-a-dia não é mais o mesmo. Por isso, pede um remédio. Pediu-me como se pede a um farmacêutico na esquina, que lhe indicasse alguns poemas, única poção capaz de minorar seu mal-de-amor. 

   Eu teria que fazer um diagnósitco mais apurado. Encontrar-me com o paciente, fazer-lhe algumas perguntas, devido a responsabilidade da profissão. Mas nao foi possível marcar hora, tomar o pulso, a pressão, ver como anda seu abalodo coração. 

Sugeri ao amigo do amigo: seria melhor que o amante sofredor se internasse para ler os poemas de amor de Camoes, Drummond, Shakespeare, Vinícus e Neruna. Mas reconheci que nem sempre os planos de saúde garante isso. Então perguntei: "Que idade tem o paciente?" "Já um homem maduro", respondeu.

   Nesse caso é mais grave, pensei. Então leia, de Drummond, o poema "Campo de flores", que começa assim: "Deus me deu um amor no tempo da madureza quando os frutos  não são colhidos/ Deus ou talvés o Diabo deu-me este amor maduro/ e a um e a outro agradeço, pois que tenho um amor." E por aí o paciente vai sentir as antigas manhãs voltarem a sorrir para ele, que ele acha que merece mesmo esse amor? Apesar da angústia que lhe trás. E há de concordar. "Mas porque me tocou um amor crepuscular/ há que amar diferente." 

   A seguir, diz-me que seu amigo depois que se apaixonou ficou meio esquesito. Não está nem aí. Fala-se com ele uma coisa e ele responde outra. Não há visita do papa nem eleição que lhe interesse. Esclareço que isso é normal em tais casos. Camões diz: "... fico perguntando aos ventos amorosos, que respiram da parte donde estais, por vós Senhora;/ às aves que ali voam, se vos viram/ que fazíeis que estáveis praticando/ onde, como, com quem, que dia, que horas"

   E acrescento que não se desespere mais do que o necessário, porque o amor, segundo outra fórmula  da farmocopéia amorosa de Camões, "é um fogo que arde sem se ver/ é ferida que dói e não se sente/ é um acontentamento descontente/ é dor que desatina sem doer/ é um querer mais que bem querer/ é um andar solitário por entre gente,/ é um nunca contentar-se de contente,/ é um cuidar que ganha em se perder/ é querer estar preso por vontade/ é servir a quem vence, o vencedor/ é ter com quem uma lealdade/ Mas como causar pode seu favor/ nos corações humanos amizade/ se tão contrário a si o mesmo amor?"

   No caso de o apaixonado sentir que o destino lhe foi atroz, porque não permitiu que conhecesse sua amada há mais tempo, quando era jovem, então não estará só. Um poeta mineiro _pouco conhecido _ Emílio Moura tem apaziguantes pomadas para tal situação:   " Por que me roubaram tanto tempo? Por que não te conheci menina?/ Por que não te conheci quando ias para o colégio?/ Por que não te conheci no momento terrível da revelação da vida?"

   Isso de querer voltar a infancia dos sentimentos é legítimo, quanda se ama. Bandeira também considera isso em "O impossível carinho": " Escuta eu não quero contar-te o meu desejo/ Quero apenas contar-te minha ternura/ Ah se em troca de tanta felicidade que me dás/ Eu pudesse repor/ _ Eu soubesse repor_/ No coração despedaçado/ As mais puras alegrias de sua infância!"

   Nesse ponto, o amigo do amigo apaixonado me pergunta: " E você poeta, nunca amou?" Eu ponderoso, respondo que tenho lido muito a respeito. A rigor não amo melhor nem pior que  ninguém. Do meu jeito amo. Ora esquesito, ora fogoso, às vezes aflito ou ensandecido de gozo. Ja amei até com nojo. Nem sempre de mim dependem, confesso. O corpo do outro é que é sempre surpreendente.

   Mas de qualquer jeito, concluo que o amor é sempre um mistério. E o mistério começa do joelho pra cima. O mistério começa do umbigo pra baixo, e nunca termina. E terminei dizendo: "Diga ao seu amigo que aproveite e sofra de amor o mais que puder, porque como dizia um espanhol renascentista chamado Juan de Encina: ' Más vale trocar placer por dolores que vivir sin amore."


Affonso Romano de Sant' Anna

Um comentário:

  1. Belíssima crônica. Adorei e tomei a liberdade de postar no meu blog fazendo é claro, a devida mensão ao seu.

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